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Só mesmo no cinema o psicopata tem cara de louco |
Por trás de tudo, há sempre o lucro, sempre o "eu hoje
vou me dar bem". Antigamente, o malandro de rua era quem agia assim. Mas
ele foi perseguido e exterminado. Os que restaram, como o Chico Buarque já
cantou há muito, hoje trabalham e chacoalham no trem da Central. O novo
malandro usa terno bacana e gravata de seda. É muito mais nocivo à sociedade do
que o antigo, mas é idolatrado como empreendedor, é chamado de doutor e sai na
coluna social.
Aliás, falando em esquizofrenia e em mudanças no tempo,
pense que, antanho, o esquizofrênico, o doido de pedra, era um problema, só um
problema. Por isso, era jogado em depósitos e trancado com malfeitores e
leprosos.
O tempo passou e se descobriu que o maluco podia ser uma boa
fonte de poder e de renda e inventou-se a Psiquiatria, com seus manicômios,
que, apesar de diferirem pouco dos depósitos, se diziam revolucionários, porque
objetivavam curar a maluquice. Faziam isso com torturas, drogas e banhos de
água gelada, mas faziam e tudo o que se faz pela cura é nobre ou pelo menos
parece ser. Ainda que a cura não seja cura, quem diz trabalhar por ela sempre
terá crédito.
Doideira controlada
Mais um tempo passou e o poder entendeu que não cabe tratar
o esquizofrênico, mas dirigir seus delírios para objetos aceitáveis, de modo
que o sistema de compra e venda, ou seja, de consumo, pudesse incorporar esses
doidos e lucrar com eles. E, sob essa ótica, cabe, mais ainda, agir para que
todos possam ser esquizofrênicos, pois que a esquizofrenia deve ser democrática
como a posse de televisores e telefones celulares.
Tudo isso para a felicidade geral das empresas, essas
entidades abstratas que emitem o gás venenoso que transforma cidadãos em
consumidores, e do Mercado, esse ícone deificado mantido vivo, em grande parte,
por aqueles a quem serve, ou seja, uma pequena e genial quadrilha que consegue
dominar a mão invisível e dirigi-la sempre para o bolso dos outros.
Assim, modelou-se a sociedade para a esquizofrenia e a
personalidade fragmentada pós-moderna não passa de um projeto de esquizofrenização
controlada. Vivem-se os papéis mais diversos e mesmo contraditórios, pois
quanto menos integrada a personalidade, creem os atacadistas e varejistas do
consumo, mais produtos diferentes serão desejados e adquiridos. Foi Beatriz
Sarlo que disse que por trás dos fragmentos da pós-modernidade está o Mercado.
Pense que a mente singular e integrada é saudável e pode conseguir
prazer através do improviso – e é por isso que o improviso está vedado na
sociedade de consumo, assim como todo e qualquer tipo de liberdade e singularidade.
Tudo que há nessa sociedade é pensado e dado previamente, como os produtos
diversos oferecidos em supermercados, lojas e camelôs. Adorno e Horkheimer já
disseram isso bem antes de mim.
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Arthur Schopenhauer (1788-1860) |
Demônios atormentadores e almas atormentadas se entendem bem
A psicopatia, por sua vez, classicamente conhecida como “distúrbio
de comportamento”, é entendida por muitos como uma radical defesa contra a
fragmentação esquizoide. Assim, parte de nós descobre que pode escapar da
esquizofrenia cultivando a esperteza e a referência total e absoluta centrada no
eu, que não deve aceitar ou cumprir regras e leis coletivas. E, com essa
mentalidade, muitos passam a agir referidos apenas nos interesses próprios e
tentam, para melhor conseguir seus objetivos, fazer com que mais pessoas
funcionem para servir aos seus (deles, psicopatas) interesses próprios.
Sob esse ponto de vista, o psicopata pode ser visto como
aquele que ascendeu do poço da esquizofrenia mas, como, apesar disso, mantém a
pobreza subjetiva que caracteriza o esquizofrênico clássico, só pode enxergar
esquizofrênicos em sua volta, como se o mundo fosse feito à sua imagem e
semelhança. Assim, como não tem acuidade visual ou sensitiva para perceber que
muitos de nós não são esquizofrênicos, ou não são apenas esquizofrênicos, age
como se todos estivéssemos naquele mesmo poço. E como os que lá estão são
considerados inferiores pelo esperto psicopata, este age como se pudessem ser
transformados em objetos cuja existência é satisfazer os superiores, ou seja, a
classe dos psicopatas, que, por motivos óbvios, é desunida, mas consegue se
integrar no objetivo de escravizar os otários esquizofrênicos.
Assim se configura parte do enredo deste inferno que é a
sociedade de consumo. Como sugeria Schopenhauer, falando do mundo de forma
geral, um enredo formado por demônios atormentadores e almas atormentadas – creio que no
livro “As dores do mundo”, logo no início.
Psicopatas e esquizofrênicos, uni-vos!
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